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domingo, 7 de agosto de 2011

Judas Iscariotes: de traidor a herói

 


Documentos históricos questionam a imagem de vilão do apóstolo acusado de trair Jesus Cristo


Lia Hama | 01/05/2006 00h00
Judas Iscariotes, o apóstolo que, por 30 moedas, entregou Jesus Cristo aos soldados romanos que o crucificaram, não foi um traidor, mas, sim, um herói. Judas agiu dessa maneira a pedido do próprio Jesus, que tinha de ser crucificado para voltar como o salvador da humanidade. Essa interpretação ganhou força graças a um antigo manuscrito do século 4 que só agora, depois de quase 17 séculos, foi revelado ao público. Chamado de Evangelho de Judas, o documento foi descoberto nos anos 1970 numa caverna no Egito e resistiu ao tempo graças ao clima seco da região. Desde então o manuscrito passou por diversas mãos até ser entregue em 2001 à Fundação Mecenas, em Basiléia, na Suíça. Trata-se de um documento de 31 páginas de papiro, cujo texto em egípcio antigo (o copta) teria sido escrito pelos cainitas, uma seita herética do início do cristianismo. O conteúdo, divulgado na última Páscoa pela revista National Geographic, é motivo de acalorados debates dentro e fora da Igreja Católica e, acima de tudo, revela quão pouco ainda sabemos sobre a vida de Jesus Cristo.
Há registros sobre a existência do Evangelho de Judas desde o século 2, quando Irineu, bispo de Lyon, na Gália romana, escreveu um tratado intitulado Contra as Heresias, no qual condena os cainitas por venerarem Judas. “Eles (os cainitas) produziram uma história fictícia, a qual chamam de Evangelho de Judas”, afirma o texto, escrito no ano 180. Estudiosos apontam que o manuscrito recentemente traduzido pelo suíço Rodolphe Kasser, um dos maiores especialistas em língua copta do mundo, é do século 4 e seria uma versão do original grego do século 2 a que se refere Irineu. O bispo de Lyon indicou os quatro evangelhos canônicos – de Mateus, de João, de Marcos e de Lucas – como os únicos que os cristãos deveriam ler. Sua lista acabou se tornando a política oficial da Igreja e perdura até hoje. Os demais manuscritos dos primórdios do cristianismo foram considerados apócrifos (não reconhecidos pela Igreja), entre eles o Evangelho de Maria, sobre Maria Madalena, e o Evangelho de Judas. Acredita-se que os autores dos textos apócrifos pertenciam, em sua maioria, ao gnosticismo, movimento religioso que rivalizou com a Igreja Católica nos primeiros séculos depois de Cristo (leia mais na próxima página).
Por essa razão, Judas sempre foi tido como um dos grandes vilões da Bíblia. Basta olhar no dicionário: judas é sinônimo de traidor, do indivíduo que trai a confiança dos outros. Todos os anos, em dezenas de países, bonecos feitos à sua imagem são malhados e queimados em praça pública no Sábado de Aleluia. Um castigo simbólico contra alguém que, segundo os evangelhos tradicionais, entregou o mestre aos carrascos no Jardim das Oliveiras, identificando-o com um beijo na face. Na nova interpretação, no entanto, Judas teria agido a pedido de Jesus, mesmo sabendo que depois seria perseguido por causa de seu ato. “Você será amaldiçoado”, teria alertado Jesus a Judas, seu discípulo favorito. Cumprida sua missão, Judas não teria se enforcado, como registram os evangelhos canônicos, mas se retirado para meditar no deserto.
“Essa descoberta espetacular de um texto antigo, não-bíblico, é considerada por especialistas uma das mais importantes atualizações dos últimos 60 anos no que se refere ao nosso conhecimento sobre a história e a diferentes opiniões teológicas sobre o começo da era cristã”, afirmou Terry Garcia, vice-presidente-executivo da National Geographic, ao divulgar o manuscrito. A opinião é compartilhada pelo especialista em escrituras bíblicas Charles Hedrick, professor da Universidade do Missouri, nos Estados Unidos. “Nesse texto, Judas não é o vilão. É o mocinho”, afirma. Na principal passagem do documento, Jesus diz a Judas: “Tu superarás todos eles. Tu sacrificarás o homem que me cobriu”. Segundo estudiosos, a frase significa que Judas ajudaria a libertar o espírito de Jesus de seu invólucro carnal.
Culpa dos judeus
Apesar da nova versão que veio agora à tona, a imagem de Judas cristalizada no imaginário popular é a do “vilão sinistro”, disposto a fazer qualquer coisa por dinheiro. Há quem diga que a construção dessa imagem fez parte de uma tentativa cristã de disseminar o anti-semitismo. Para se desvincular do judaísmo, cristãos teriam achado conveniente responsabilizar os judeus pela execução de Cristo e teriam usado a imagem de Judas para criar o estereótipo judeu. Assim, o governador romano Pôncio Pilatos teria um papel bem menor que o de sacerdotes judeus e Judas na morte de Jesus. Em pinturas da Idade Média, Judas é retratado com um nariz grande e adunco, em traços exagerados, geralmente associados aos semitas. Em A Divina Comédia, de Dante Alighieri, ele é relegado ao último dos círculos do Inferno, onde é devorado por Lúcifer. O teólogo Fernando Altemeyer, professor da PUC-SP, lembra que Judas não foi o único apóstolo a trair Jesus: “Os outros também o fizeram, ao abandonar o mestre. Pedro, por exemplo, negou o amigo três vezes”. O único a levar a culpa, no entanto, foi Judas.
Apesar de toda a polêmica, o Vaticano deixou claro que a divulgação do manuscrito não representará qualquer mudança de sua posição. No início do ano, o jornal britânico The Times afirmou que o monsenhor Walter Brandmuller, presidente do Comitê Pontifício para Ciências Históricas, estaria liderando uma comissão do Vaticano para reabilitar Judas – informação rapidamente negada por Brandmuller. “Não há nenhuma campanha no Vaticano, nenhum movimento para a reabilitação do traidor de Jesus”, afirmou o monsenhor, que definiu o documento como um “produto de uma fantasia religiosa”. Segundo Brandmuller, apesar de lançar luzes para melhor compreensão do cristianismo primitivo, o texto continuará sendo considerado herético pela Igreja Católica. Parece que ainda não será dessa vez que o último dos apóstolos conseguirá reverter a sua imagem de vilão.
As peripécias do papiro
Depois de ter sido descoberto no Egito nos anos 1970, o papiro com o Evangelho de Judas foi provavelmente roubado e contrabandeado. Em 2000, o documento chegou às mãos de uma comerciante grega de antiguidades e, no ano seguinte, foi entregue à Fundação Mecenas, na Suíça, para ser restaurado e traduzido. O acordo envolveu a National Geographic, que teria pago cerca de 1 milhão de dólares pelos direitos de publicação da história.

Seita gnóstica defendia Caim e Judas

O Evangelho de Judas foi escrito entre os séculos 3 e 4, provavelmente pelos cainitas, uma dentre as muitas seitas que faziam parte de um movimento religioso chamado de gnosticismo. Desenvolvido à margem do cristianismo institucionalizado, que o considerava uma heresia, o gnosticismo é originário de uma mistura de crenças cristãs, pagãs e judaicas. Combinando misticismo e especulação filosófica, os gnósticos se diziam portadores de conhecimentos secretos que os tornavam superiores às outras religiões. Os gnósticos acreditavam que as instituições não eram necessárias para encontrar deus: bastava um conhecimento profundo sobre si mesmo, a gnose. As instituições seriam a manifestação de um mundo que, na verdade, não passaria de ilusão. Ele teria sido criado por uma entidade inferior má que manteria o homem preso a uma realidade ilusória, impedindo-o de ver a sua verdadeira natureza. Só por meio do conhecimento seria possível acordar dessa espécie de pesadelo. A trama do filme Matrix (1999), sobre um programador de computadores que descobre viver numa realidade virtual criada e manipulada pelas máquinas, teria sido inspirada no gnosticismo. A entidade má da doutrina gnóstica seria Jeová, o deus criador do Velho Testamento. Mas também haveria um deus bom e generoso, associado ao do Novo Testamento, que teria enviado Jesus Cristo aos homens. Dentre os gnósticos, os cainitas eram uma seita especialmente radical. Caim, que fora amaldiçoado pelo deus mau por ter matado o próprio irmão, era visto como um libertador. Judas também.

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Livros
Judas: Betrayer or Friend of Jesus?

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